Capítulo I – O Sistema Areliano
A fina poeira, acumulada durante milênios naquele chão árido, levantou-se como um tornado violento ao receber os primeiros jatos daquela espaçonave descomunal, que se preparava para aterrissar.
Pertencia à última geração de naves exploradoras, construída com avançada tecnologia, que lhe permitia navegar durante anos no espaço à procura de planetas e corpos celestes, para extrair deles, aquele metal que tanto necessitavam em seu Planeta Arel.
A civilização Areliana espalhou-se por inúmeros Planetas, estabelecendo-se primeiramente em bases, logo transformadas em Colônias, e estas, transformando-se nas grandes e populosas metrópoles que atualmente ocupam todas as profundezas dos mares existentes em seu Sistema Planetário.
Nem todos os vinte e dois Planetas desse sistema possuem mares. Dois deles, que orbitam mais próximos da estrela, são inabitáveis e áridos, sem possibilidade de manterem nenhuma forma de líquidos. Os mais distantes eram cobertos por capas de gelo de variadas espessuras, deixando seus mares subterrâneos.
Entretanto, a ciência Areliana já havia dominado a tecnologia necessária para explorar esses mares mais hostis e acabou por incrustar neles, outras metrópoles gigantescas.
Eram os senhores absolutos da ciência e da técnica para explorar e habitar o fundo de qualquer oceano.
Em uma faixa mediana do Sistema Areliano, orbitam três Planetas exuberantes. O maior deles, Arel, com quase a sua totalidade coberta por oceanos líquidos, é o berço da Civilização Areliana, que abriga a elite da sua raça, o centro de onde emanam os principais avanços científicos, os aperfeiçoamentos tecnológicos e também as diretrizes de governo e de comando para todo o Sistema.
Os outros dois Planetas, Phiera e Guiid, igualmente magníficos, possuem praticamente o mesmo ambiente de Arel, diferindo apenas no volume das regiões emersas. Foram os primeiros a serem explorados e colonizados e passaram a ocupar, com o seu desenvolvimento, uma posição de importância, comparável a Arel.
Os três Planetas transladam sua Estrela na sétima, oitava e nona órbitas, perfeitamente regulares, e propiciam um espetáculo deslumbrante quando alinhados, na sua conjunção periódica.
Alguns séculos bastaram para que a civilização Areliana explorasse a totalidade do seu Sistema Planetário e sua ciência já havia comprovado a inexistência de vida inteligente em qualquer dos outros Planetas. Detectaram em alguns dos oceanos explorados, espécimes primitivos, formas de vida incipientes, bem parecidas com aquelas primeiras organizações celulares, que evoluíram para organismos mais complexos, no seu próprio Planeta há bilhões e bilhões de anos.
Já possuíam espaçonaves poderosíssimas, construídas com ligas de metais preciosos, extraídos das profundezas dos mares de seus Planetas e há muito tinham dominado formas de propulsão eficazes, que agora impeliam suas naves em viagens para além das fronteiras do seu sistema, para o espaço interestelar.
Construíram então, uma frota de doze espaçonaves e as lançaram para objetivos específicos, há dezoito anos… com a missão de explorar os minérios de que tanto necessitavam em Arel como também detectar possíveis formas de vida alienígenas.
Quatro delas completaram suas missões e retornaram a Arel, abastecidas de minérios. Exploraram um ou dois Planetas, mas sem detecção de qualquer indício de vida.
Outras cinco encontram-se navegando de volta à Arel, relatando resultados muito parecidos com as antecessoras.
Duas das espaçonaves que se lançaram para objetivos mais distantes, ao fim de quatro anos de viagem, começaram a relatar avarias em vários setores da nave, durante alguns dias, até que as últimas transmissões, quase incompreensíveis, interromperam-se abruptamente e permaneceram desde então, em absoluto silêncio.
Mas, uma ainda permanece em exploração, pelo menos é o que dizem seus sinais, quase inaudíveis e que demandam quase quatro anos para atingirem Arel. E essa nave, tornou-se agora, o centro das atenções de todos os Arelianos.
Onde estará agora, o que estarão presenciando os seus quarenta e seis tripulantes?… voltarão um dia?… a comunicação é praticamente impossível, pois uma mensagem enviada para eles demora quatro anos para alcançá-los e, quando respondem, o mesmo tempo transcorre na resposta…
Capítulo II – Um Novo Planeta
Envolta em uma espessa nuvem escura de pó, a nave toca o solo, distendendo várias sapatas, como tentáculos, que se aprofundam no solo, em busca de apoio sólido. Em seguida, nivela-se ao terreno e estabiliza-se.
Era final de tarde naquele desértico Planeta, pois os raios luminosos da estrela próxima, a cujo sistema pertencia, já atingiam aquela paisagem em ângulo bastante oblíquo, alongando as sombras das rochas, dispersas pelo terreno.
Lentamente, algo semelhante a uma antena começa a salientar-se do corpo negro da nave.
—Dispositivo de checagem atmosférica lançado, comandante…
—Qual a leitura, senhor Phisis.
—Traços de amônia, metano, oxigênio, hidrogênio e outros gases… irrespiráveis, senhor.
—Muito bem, seria sonhar demais, imaginar uma atmosfera de Arel neste Planeta exaurido. A única coisa que me fez aterrar aqui, foi a visão desse oceano magnífico, que me lembrou Arel.
—Avise a tripulação para iniciar os preparativos para desembarque, dentro de doze horas. A nave ficará ancorada aqui e servirá de base de operações. Todas as demais ações ocorrerão através das naves auxiliares, que farão a exploração dos territórios adjacentes e também entre nós e o núcleo que estabeleceremos no fundo daquele oceano, que está a cerca de trinta quilômetros daqui. Quero o explorador submarino pronto para sair, antes das naves auxiliares.
—E, tenente Phisis, agora quero que mande sair uma nave auxiliar para inspecionar tudo ao redor, num raio de cem quilômetros e um relatório minucioso quando voltarem.
Kregspy era um comandante experiente, treinado para missões de vários anos como esta, em que já estava há quase dezoito anos. Haviam feito até agora quatro aterrissagens, em corpos celestes de menor tamanho, mas que se mostraram promissores para exploração dos minérios que necessitavam.
Este era o quinto, parecia bem maior, dispunha de uma enorme massa de água líquida em sua superfície e ele ansiava pelo momento de adentrar nas profundezas daquele oceano azul. Mas, já mostrava, sinais de algum estresse. Embora tivesse conforto em sua nave, o seu relacionamento com a tripulação restringia-se a apenas cinco, os oficiais de comando, seus subalternos, com formações semelhantes à sua.
Os outros quarenta tripulantes eram técnicos mineradores e operários, recrutados para o serviço braçal, operando máquinas e equipamentos, mais preocupados com o espírito de aventura e fortuna fácil, do que a curiosidade científica do desbravamento, do novo, de descobertas extraordinárias de vida alienígena. Para eles, cada vez que saiam pela porta da nave, era apenas para mais um trabalho braçal, bruto e maçante.
Já tinha decidido. Esta seria a última exploração que fariam. Regressariam em seguida, a tempo de retomar a vida em seu querido Planeta. Tinha família numerosa lá, da qual sentia muita falta e eles estariam, por certo, esperando a sua volta.
Dada a expectativa de vida dos Arelianos, o tempo decorrido fora de casa, pouco o afetará.
“E voltarei muito mais rico”…pensa
A rotação do Planeta os fez imergir em um cone de sombra que durou mais de dez horas. Agora, os primeiros raios luminosos da estrela, conhecida por eles como 252RW3100, começaram a inundar aquela paisagem desolada, sem vegetação alguma, árida, entremeada de rochas de todos os tamanhos.
Capitulo III – Começa a Exploração
Um som grave, como o de grandes engrenagens em rotação lenta, antecede o que seria uma visão surrealista, para um observador externo.
Começa a despontar, do bojo da nave, sem que seja aberta nenhuma porta, nenhuma abertura, um veículo enorme, misto de trator, lagarta e escavadeira, com pelo menos cinco andares de altura, tracionado por uma longa esteira que vai ajustando-se perfeitamente aos acidentes do percurso.
Todo o conjunto sai da nave como por osmose, atravessando o casco que vai moldando-se exatamente aos seus contornos, fechando-se imediatamente após a passagem. Em seguida, algumas naves auxiliares repetem o mesmo processo e saem da espaçonave para escoltar aquela montanha de aço, que agora, move-se com rapidez em direção ao mar.
—Capitão Kreg, a operação está em andamento, exatamente como previsto.
—Muito bem, Phisis, providencie para que minha nave auxiliar esteja pronta quando atingirem o ponto determinado no fundo do oceano.
—Já está pronta, capitão.
—E este é o relatório do tenente G’otvos, que sobrevoou o perímetro que determinou.
Kregspy pega o relatório e lê rapidamente aquelas linhas escritas com um ar de desapontamento. Já esperava por isso, pois antes de aterrar, fizera algumas circunvoluções no Planeta e nada lhe chamou a atenção nos visores, nem nos sensores da nave. Apenas aquela paisagem monótona, cinza, sem nenhuma forma que pudesse chamar de “inteligente”.
RELATÓRIO DO TENENTE G’OTVOS
“Sobrevoo do raio de cem quilômetros da nave, transcorrido sem novidades a relatar. Por decisão minha, estendi o perímetro para mais cem quilômetros, a partir da nave. Mesma paisagem desértica, agora com o relevo mais plano, destacando-se apenas uma rocha pontiaguda, quadrangular de quarenta e dois metros de altura por quatro metros de base, mais parecida com um teodolito, vindo das profundezas do solo, talvez devido a algum cataclisma ou convulsão do terreno. Nada mais a relatar.”
Kregspy era um explorador nato, nada o fascinava mais do que um dia, deparar-se com a possibilidade de encontrar evidências de vida, mesmo que já extintas, nos Planetas por que passara. Qualquer acidente geográfico, com aparência mais regular, era alvo de sua atenção.
—Tenente Phisis, ponha o tenente G’otvos no meu comunicador.
Em segundos a comunicação é feita e um barulho estridente, entremeado de vozes, faz-se ouvir.
—Tenente.! … que barulheira é essa?… como pode concentrar-se no seu trabalho?…
—Desculpe, capitão, estou levando quinze mineiros aqui comigo e o senhor bem sabe o nível deles. O resto é o som da nave, que sabemos, é alto mesmo.
—Quero que retorne para aquele ponto em que avistou o monolito, ou seja lá o que for, sobrevoe em altitude baixa e faça imagens de vários ângulos… agora!!!
—Mas, capitão, e esses mineiros comigo, devo levá-los?
—Sim, vou aguardar o seu retorno, antes de sair para o oceano.
—Estou dando meia-volta. Atingirei o alvo dentro de alguns minutos.
—Capitão Kreg, o explorador submarino já atingiu o primeiro ponto e iniciou a inflação da bolha, que está agora com diâmetro de quatorze quilômetros no fundo. A injeção da atmosfera Areliana foi completada e quatro equipes de mineiros já começaram o trabalho de prospecção. O senhor já pode se deslocar para lá, quando quiser.
—Irei sim, Phisis, logo que receber as imagens que pedi a G’otvos.
Kregspy ajeita-se em sua poltrona, divagando com a possibilidade de um dia retornar para sua casa, laureado, como o descobridor de alguma antiga civilização ou uma prova qualquer, que indicasse haver outros seres inteligentes neste Universo.
Capítulo IV – O Monolito
Na cabine da nave de G’otvos reinava um verdadeiro pandemônio. Os mineiros eram rudes, não obedeciam facilmente à voz de comando e promoviam o tempo todo brincadeiras, pilhérias e gozações entre eles.
—Silêncio, pessoal. Estou chegando no ponto determinado pelo capitão e preciso de calma para executar o trabalho. Quero todos sentados em seus lugares…
—Senão o quê?, tenente … desafiou um brutamontes de três metros e meio de altura e uma cintura onde cabiam três G’otvos…
—Não fiz nenhuma ameaça, ainda, mas, qualquer transtorno que me atrapalhe a missão, vou relatar ao capitão e será ele que tomará as providências com vocês…
O grandalhão sentou-se, mas as conversas continuaram barulhentas. G’otvos sobrevoava pela segunda vez aquela pedra e fizera imagens de todos os ângulos possíveis. Sempre via essas manias do capitão meio sem nexo, mas não parava para pensar, cumpria as ordens e não se importava com o resto. Terminou o serviço e disparou as imagens para o receptor de Kregspy.
Os mineiros estavam todos empoleirados nas escotilhas da nave, proferindo impropérios de toda sorte.
—Já deveríamos estar respirando o nosso ar, lá na bolha. Mas que porcaria esta viagem…veja aquela pedra comprida lá embaixo… seria um belo alvo para um tiro sônico, não acham?
—Alvo perfeito, mas acho que esse piloto de bosta aí não acertaria nem que ela tivesse o dobro do tamanho…
A gritaria foi geral…
—Piloto de merda… ha ha ha… veja se é capaz de acertar essa pedra, tenente … e pulavam, bradando em uníssono.
G’otvos não tinha mais ânimo para conter os brutamontes, deu meia volta e alinhou-se com a grande pedra. Os mineiros, agora, aguardavam silenciosos, aquele som conhecido e amedrontador do tiro sônico…
Ele era, dos cinco oficiais em comando, o mais preciso no manuseio das armas de que dispunham. O tiro foi certeiro, de longo alcance, estilhaçando em mil pedaços aquele granito negro e reluzente.
Agora, uma nave barulhenta e cheia de mineiros quietos, desaparece no horizonte, em direção ao oceano…
Kregspy transporta as imagens do receptor para a mesa transparente e as dispõe lado a lado, na sequência em que foram tiradas. Seu semblante não esconde a decepção.
…”Nada inteligível … só pedra mesmo… cheia de trincas e riscos causados por algum fator geológico… mas vou levá-las comigo para Arel e mostrarei aos cientistas… verão que pelo menos, tentei”…. pensa, dirigindo para a porta.
—Phisis!… estou indo para a bolha… qualquer ocorrência, comunique-me imediatamente…e sai, cantarolando uma velha canção Areliana.
Phisis acena afirmativamente para o capitão e em seguida, dirige-se ao centro da cabine e fica admirando aquelas imagens belas, mas sem nenhum significado para ele…
Aquele monolito, crivado de rabiscos bem ordenados, jamais poderia ter sido um simples capricho da natureza…
“Este é o Planeta Terra, o terceiro a partir de nossa Estrela, que chamamos de Sol. Nossa Humanidade nasceu e aqui viveu durante milênios, antes de lançar-se ao espaço em busca de novas moradas.
Este é um monumento de agradecimento a este Planeta, que nos deu tudo, inclusive sua vida. Aqui também marca, o local em que a última nave de Humanos partiu, no ano de três mil, duzentos e quarenta e seis da nossa Civilização, para uma nova Terra, num sistema que chamamos Alpha Centauri.
Se esta mensagem puder ser lida e compreendida algum dia, saibam que serão muito bem vindos em nosso novo lar…”
Phisis junta as imagens e as salva no diretório em nome do capitão. Em Arel, os cientistas terão farto material para estudar. Nesse momento, só se importava mesmo era com a fome bárbara que roía seu estômago e vai a passos largos pelo corredor, em direção ao refeitório, já sentindo aquele cheiro agradável e apetitoso de sangue fresco…
FIM