Um pulso magnético intenso desperta o comandante Robert daquele período de sono prolongado. Verifica o cronômetro na divisória lateral …25.008…
“Muito antes do programado, algo grave deve estar ocorrendo”… pensa
Livra-se dos conectores que o monitorava e sai célere rumo ao módulo de comando. Tinha que checar todos os instrumentos de bordo. Precisaria despertar os outros tripulantes?
A “Bóson-XXVIII” havia sido lançada há mais de um ano rumo ao planeta Sincrotron em mais uma missão de rotina do Governo Mundial.
— Meu Deus…estes instrumentos estão loucos, o que está havendo? não era coisa para enfrentar sozinho. Aciona o comando para despertar seu imediato.
— O que está havendo, comandante?
— Veja aqui, Tara, algo está nos desviando da rota…
— Estou vendo, comandante, já desviamos quinze graus e aumentando…e também ocorre um aumento substancial da carga elétrica em torno da nave.
— Estamos sendo submetidos agora a uma atração gravitacional intensa que está alinhando a nave em direção à sua origem … .acione a visão externa, Tara.
O painel central, com sua grande tela, mostra uma visão panorâmica do espaço frontal da nave e, no canto direito, aquele corpo que os atraia perigosamente.
— É um cometa, comandante, e deve ser descomunal, está a milhares de milhas de nós, mas exercendo essa força gravitacional enorme, a ponto de nos desviar da rota.
— Por que nossa base operacional em Terra não nos avisou antes?
— Eles sabem que a “Boson” possui um sistema antigravitacional poderoso, suficiente para nos afastar dos astros que estão em nossa rota, mas isso é algo inusitado…vamos começar os procedimentos para a correção da rota, Tara, estamos chegando a vinte e seis graus fora.
Tara interagia de maneira perfeita com todos os sistemas de bordo. A nave era da última geração, fabricada com tecnologia superior às anteriores e agregava os últimos avanços da IA, como Tara, um androide em tudo semelhante a nós e conhecia cada parafuso da nave.
A cada ação de Tara, um sensor luminoso deixava de piscar no painel.
— Comandante, dentro de quatro minutos e trinta e dois segundos voltaremos à rota programada.
— Obrigado, Tara, quero que faça uma varredura completa nos sistemas e me avise sobre qualquer irregularidade, antes de nos recolhermos, temos mais de um ano pela frente.
— Executarei imediatamente, comandante e, se preferir, posso ficar mais tempo em alerta por aqui.
— Não será necessário, Tara, os sistemas nos despertarão, caso ocorra algo. Você precisa de repouso, tanto quanto nós.
Tara faz um sinal para Robert e sai vistoriando a nave.
Os androides como ela, há muito deixaram de ser simples máquinas munidas de sensores e servomecanismos. O avanço extraordinário da ciência robótica em conjunto com a ciência médica propiciara criar um organismo com tecidos, pele, órgãos, ossos e um cérebro dotado de uma rede neural semelhante à nossa e com isso lhes deu “consciência” e livre arbítrio. Tudo sintético, mas em nada inferior aos humanos, a não ser a longevidade, que beirava os novecentos anos.
Tara estava ali não por ter sido escalada para aquilo, mas porque desejou ser astronauta, fez todos os cursos na Academia e formou-se com louvor.
A missão de Robert e seus tripulantes era a de transportar cinquenta e oito cientistas até o Planeta Sincrotron, onde foi construído o maior acelerador circular de partículas (sincrotron) até hoje pela Humanidade.
O Planeta era totalmente inóspito para a vida humana, porém, com sua massa superior a duas vezes e meia a da Terra e uma força gravitacional seis vezes maior, reunia as condições perfeitas para aquele projeto, a concretização de um antigo sonho da Humanidade…a viagem no tempo.
O anel de centenas de milhas do acelerador adicionou descobertas cruciais na física das partículas, confirmando que, assim como o macrocosmo é infinito, o microcosmo também o é. Ninguém poderá afirmar que descobriu a última partícula, a fundamental, pois sempre haverá outras que também serão divididas.
E após a confirmação da supersimetria, finalmente foi desvendado o mistério da “matéria escura”, um dos combustíveis para a viagem temporal.
O outro componente indispensável, a Velocidade, foi conseguida com as forças colossais dos eletroímãs e acumuladores no centro do anel que somadas à gravidade do Planeta, induziam o rotor no seu centro a velocidades superluminais, produzindo rupturas no contínuo-espaço-tempo.
Robert era o primeiro a despertar e em seguida acionava o processo para despertar os demais tripulantes.
… “Falta pouco tempo para a nossa chegada. Vou aproveitar para conversar com alguns desses cientistas. Quem sabe, desta vez, me digam para onde irão?”…
Sabia que essas viagens temporais eram restritas e criteriosamente controladas pelo Governo Mundial, que controlava o único meio de transporte, o sincrotron e que os viajantes eram rigorosamente selecionados e especialistas nas suas áreas de atuação.
A confabulação entre os cientistas era geral e provocava certa euforia nos ambientes da nave.
— Tara, acione os outros tripulantes e instrua-os a acomodarem os doutores nos diversos ambientes da nave.
Robert visualiza uma senhora imponente em seu uniforme, que não escondia sua descendência da raça negra, bem miscigenada, bela e elegante, apesar da meia-idade. Ele a conhecia, era uma renomada cientista na área de sistemas ecológicos, respeitada nos meios acadêmicos.
“Mas o que a faz embarcar nessa viagem sem volta?…é jovem ainda, será que não tem família?”…pensa
— Seja bem-vinda a bordo, doutora Khate, precisa de algo?
— Não, comandante, seus tripulantes já me atenderam muito bem, grata.
Sua simpatia era contagiante e ele procura prolongar o diálogo.
— Gostaria de me inteirar mais sobre sua área, doutora, seu trabalho é bem comentado em nossos meios de comunicação.
— O que o interessa, comandante?
Com um sinal, Robert aponta para duas poltronas próximas…
— Muito confortável a sua nave…
— Passamos grande parte de nossas vidas nelas, doutora, e eles procuram deixá-las mais aconchegantes. Mas confesso que fiquei surpreendido ao vê-la aqui entre esses cientistas, doutora.
— Qual a razão, comandante…
— A senhora é jovem, bem-sucedida em sua profissão, por que abandonaria tudo isso para ir nessa viagem sem retorno?
— Ora, comandante, penso que não tenho mais a acrescentar em minha carreira e a possibilidade de algo novo, novas descobertas, novos desafios é o que me impeliu a aceitar a proposta que me fizeram. Ademais, não tenho nada que me prenda por aqui.
— Acredito que esse motivo é o que faz os seus colegas aceitarem a missão. Não ter laços que os prendam aqui.
— Sem dúvida é o principal, pois é uma das exigências do Governo, não ter compromissos além de outra, muito importante, ser estéril, pois para onde vamos não podemos gerar descendência.
— Sei, essa exigência é primordial para viagens ao passado.
— Exato, comandante, sabemos que para o passado, sempre haverá o risco de paradoxos que poderiam simplesmente extinguir a raça humana do Planeta, a não ser que sejam feitas por viajantes como nós, exaustivamente treinados e instruídos. Sabemos o que fazer lá e, principalmente, o que não fazer.
— Muito bem, doutora, admiro o seu trabalho e louvo a missão que está prestes a executar. Já participei de outras tantas viagens como esta, trazendo colegas seus, e sei que o Governo só manda pessoas para lá, para efetuar certos “ajustes” em sociedades locais, visando resultados futuros que nos afetam aqui, certo?
— Está correto, comandante, tão certo quanto ao que vamos fazer nesta viagem.
A curiosidade de Robert atinge o clímax e não consegue conter a pergunta.
— Posso saber a natureza dela, doutora.
— Poucos, além de nós aqui sabem dos objetivos de nossa missão, mas o senhor também está envolvido e não vejo por que não saber. Trata-se do seguinte:
— O Governo Mundial tem farta documentação, relatos, filmes antigos, hologramas, enfim, tudo sobre as gerações que nos precederam. Seus erros e seus acertos. Já aconteceu o envio de vários emissários para datas remotas, com a missão de colaborar, incentivar, instigar, proporcionar algum ajuste ou correção de rota que poderia ter consequências benéficas aqui no futuro. E como não poderia deixar de acontecer, os meus colegas aqui e eu, iremos para lá numa outra missão e tentaremos de todas as formas, promover e incentivar um desvio que poderá evitar, como nossos cientistas aqui previram, certas consequências danosas que estamos sofrendo agora.
— É louvável o trabalho dos senhores, doutora. Quantos benefícios devemos ter colhido aqui, no futuro, desde que o Governo iniciou esse projeto…e para onde irão dessa vez?
— Para bem longe agora, nosso ponto final será em alguma data na metade do século XXI.
— Por que tão longe, e lá?
— Nosso Governo detectou algumas sociedades que viveram na época, à beira de uma ruptura radical do equilíbrio socioeconômico, com elites abastadas e alienadas, convivendo com populações inteiras em situação de miséria absoluta, extremos chocantes…como busca por alimentos em lixões, cata de ossos de animais etc., além da total falta de assistência à infância e juventude para acesso a uma educação decente. Quem poderia dizer que no meio desses não teríamos outros cérebros privilegiados como Einstein, por exemplo?
— Completamente de acordo, doutora. E onde é essa região?
— Em algum ponto da América Latina, comandante.
Tara se aproxima e comunica…
— Comandante, dentro de trinta minutos iniciaremos os procedimentos para nossa aterrissagem na Colônia de Sincrotron e já avisaram que as cápsulas para as viagens deles já estão preparadas.
— Muito bem, Tara, pode iniciar os procedimentos…eu avisarei a todos.
— Muito obrigado pelos seus esclarecimentos, doutora, e torço para que os senhores possam reverter a triste situação que me descreveu…
— Vai depender um pouco deles também, comandante!!!…
— Sucesso em sua missão, doutora Khate!
FIM