Circulando por entre as mesas dos fregueses, Genoveva não podia deixar de ouvir trechos de conversas as mais controversas possíveis. Adorava esses momentos e tinha até desenvolvido um comportamento apropriado para tornar-se o mais invisível para eles. Ora passando um pano em uma mesa, ora gesticulando para uma das garçonetes, ora fingindo prestar atenção em algum outro ponto do Boteco… esmerava-se para não ser notada pelos clientes.
E eles acostumaram-se com sua presença fortuita e quase nunca interrompiam ou baixavam mais as vozes, quando sentiam a sua aproximação. Era o que ela queria.
Ouvia “DR’s” de casais, cenas de ciúme entre namorados, assuntos de negócios, de família e até piadas das mais variadas, algumas inclusive, bem “cabeludas”, quando então, exibia a face mais ingênua que conseguia e procurava reprimir uma sonora gargalhada. Mas, quando se tornava insuportável segurar, corria até o balcão e contava o que tinha ouvido para uma das garçonetes e ambas riam até não poder mais.
Estava cursando o quarto semestre de Psicologia e encontrou aí, no ambiente do Boteco do seu pai Jacinto, uma espécie de laboratório ideal que a punha frequentemente em contato com a variedade incrível do comportamento humano.
— Ô Genô, parece cansada, minha filha… pode subir se quiser, as meninas e os rapazes dão conta de tudo por aqui…
— Não, pai, estou bem, é que, por vezes, dou uma paradinha para pensar um pouco.
— Ah, falou a minha filósofa… E Jacinto dá um beijo na testa da filha.
— Sabe, filha, você sabe de tudo que ocorre nesse salão, com suas “passeatas”, mas eu fico a maioria do tempo aqui atrás deste balcão…
— Sei disso, pai, mas o senhor compensa muito bem quando aqueles amigos seus chegam nas sextas, não é?… Diz com um sorrisinho malicioso.
— Ah, isso eu não perdoo mesmo, é o meu dia, vou pra nossa mesa e me divirto bastante…
— Faz muito bem, pai, eu também os adoro…
— Mas, Genô, é outra coisa que queria falar. Há algum tempo que venho notando, com bastante constância, duas senhoras muito distintas, bonitas e elegantes, acompanhadas por um senhor. Procuram ocupar sempre a mesma mesa naquela parte menos movimentada…
Jacinto estende o braço e aponta para o canto direito do grande salão, próximo da janela que mostra uma visão externa do pátio frontal, onde uma árvore com uma copa enorme cobre boa parte do estacionamento do Boteco.
— E o que lhe chama a atenção, pai?
— São muito distintos, o homem pede sempre um whisky com gelo e as duas pedem o mesmo drink invariavelmente. E algumas vezes, tenho observado de soslaio que ficam a me olhar insistentemente… será que é porque sou muito bonito, filha?
— Ah! ah! ah! o senhor é o homem mais bonito daqui pai. Então é isso, uma delas deve ter se apaixonado pelo dono do Boteco. E que isso fique só aqui entre nós, hein? pois se a dona Carmem, lá em cima desconfiar dessas freguesas, não sei o que vai ser não!… vai voar bolinho de bacalhau por todo lado… ah! ah! ah!
— Deixe de brincadeiras, Genô. Só quero saber se você já passou por perto deles e sabe de alguma coisa… só curiosidade…
— Ah, tá, só curiosidade… sim, pai, passei uma vez por perto e ouvi o senhor que as acompanha, chamar uma delas de … “Ernesto”…
— Oh, deixa pra lá, Genô… esquece!
Jacinto sai gesticulando muito e balbuciando alguns sons inaudíveis em direção ao outro extremo do balcão e nem ouve Genoveva… —É brincadeira, pai… é brincadeira…
A noite segue animada no Boteco do Jacinto e Genoveva começa a circular novamente entre as mesas, simpática e atenta para mais algumas aulas…
FIM