O dia amanheceu chuvoso, mas o calor intenso do verão, em pleno mês de janeiro provocava uma evaporação intensa da umidade que ia acumulando no céu, massas de nuvens que vagavam lentamente na atmosfera.
A chuva cedeu, mas a noite começou enevoada, como o famoso “fog” londrino. Mas, nas camadas mais altas, as nuvens já não eram tantas e agora se moviam mais rápidas em direção à serra, intercalando entre elas, um céu de lua cheia.
É intrigante como certas coincidências ocorrem. Aquela noite, em tudo, sugeria o cenário de um filme de suspense e o calendário ajudou… era uma sexta-feira, dia treze.
Inevitável os comentários e brincadeiras sobre isso. E, na reunião dos amigos, Carlão foi o primeiro a tocar no assunto.
— Há um dito popular muito antigo, que corre entre a gente simples do interior, que diz: “sexta-feira treze com noite de lua cheia, é dia das almas penadas andarem por aí”…
Foi o estopim para desencadear toda sorte de lendas… loira do espelho, trem fantasma, dama do cemitério, lobisomem, mula sem cabeça… todos tinham alguma história para contar. Foi quando Beto, tomando a palavra…
— Vamos deixar de brincadeiras, pessoal. Ouçam agora, o que ouvi há alguns dias lá na Delegacia, logo depois de um acontecimento violento em uma escola, com a morte de alunos e professores. Um de nossos investigadores, o Felipe, nos disse que fazia um trabalho estatístico desde muito tempo, envolvendo ocorrências violentas e encontrou um dado muito surpreendente… esses fatos incidiam com mais frequência em datas de lua cheia!… Seria isso simples coincidência?
Era um fato curioso e despertou em todos a vontade de comentar e até filosofar a respeito.
— Numa coisa eu concordo, é indiscutível que tudo sobre a Terra sofre a influência da Lua sim, em maior ou menor grau, e o ser humano não foge à regra…
— Isso é muito vago, Henrique. De que forma você acha que uma pessoa pode ser afetada por uma determinada fase da Lua?
— Esse assunto me interessou quando assisti há algum tempo um documentário naquela série de TV com aquele famoso astrônomo. Descrevia como a Lua se formou cem milhões de anos depois da formação da Terra que se originou há cerca de quatro bilhões e meio de anos…
Carlão interrompe.
— Eu também assisti isso e a teoria que demonstraram foi a de que existia um corpo celeste bem próximo da Terra que acabou sendo atraído por ela provocando um choque de magnitude formidável que arrancou parte da Terra que, então, ainda não estava sólida, era um corpo de magma no espaço…
— Isso mesmo, Carlão…
— Estamos filosofando um pouco, meus amigos. Começamos com a possível influência da Lua na cabeça dos humanos e estamos agora falando do nascimento dela e da Terra… estava curioso em ouvir alguma teoria sobre se o “lobisomem” sofre influência da Lua Cheia mesmo, ha ha ha … diz Jacinto.
— Eu entendo o que Henrique está tentando expressar… que é a importância das forças que nasceram desde a formação do nosso satélite, que se formou com os restos daquele corpo que se chocou com a Terra e a grande massa de matéria que arrancou do nosso Planeta…
— Sim, Japa, e o que a ciência nos diz é que se não tivesse acontecido esse choque e a consequente formação do satélite, a vida, pelo menos esta que conhecemos, não teria surgido neste Planeta.
— Concordo, Henrique. Li algo a respeito disso também. Até então, a Terra era um caos, e a formação da Lua colocou ordem na bagunça, com a estabilização do eixo terrestre, que antes disso girava loucamente a esmo, com o dia durando apenas quatro horas. É graças à força gravitacional dela que o eixo terrestre permanece fixo, com pouca variação até hoje, e isso foi o fator fundamental que deu origem ao resfriamento e o controle das temperaturas na Terra, com estabelecimento das estações climáticas…
— Sim, maravilhoso tudo isso, mas ainda quero saber sobre o lobisomem, ainda não me convenci de que a Lua pode mudar alguma coisa na mente de uma pessoa, …brinca Jacinto.
Alemão era o racional da turma, um realista radical e, por diversas vezes, se mostrou também agnóstico.
— Ora pessoal, tudo isso está no terreno das superstições populares. Desde sempre, o homem, quando não encontra uma explicação racional para um determinado fenômeno, cria fábulas mirabolantes, apela para a religião, para o misticismo, espiritualidade…
— Não é bem assim, Alemão. por isso eu quis começar explicando desde o começo… da formação da nossa Lua e das forças que ela começou desde lá, a exercer sobre tudo na Terra e também na nossa vida…
— Eu concordo com isso, Henrique… é que nós quase nunca paramos para pensar sério sobre isso e, confesso, eu era bastante cético sobre isso também, mas, como disse antes, após uma conversa que tive com aquele nosso investigador lá no Distrito, pus-me a pensar sobre algumas coisas que ele disse…
— E o que ele disse, Beto?… perguntam todos…
— Sei que ele, o Felipe, é uma pessoa mística, mas olhei bem para suas estatísticas e não vi nada de místico, espiritual ou religioso naqueles dados que me mostrou… perguntei:
— Estes dados estão corretos, Felipe?
— Sim, chefe, é o resultado de puros levantamentos que fiz baseados somente nos registros desta nossa Delegacia e de mais alguns casos notórios alardeados pela mídia.
— E, meus amigos, eram indubitáveis aqueles dados ali. Os registros mostram um pico de ocorrências em datas que coincidiam com a fase de Lua cheia. Todavia, eu ainda continuava cético…e resolvi provocá-lo:
— Mas, Felipe, isso pode ser apenas uma simples coincidência, ou talvez, falte agregar na sua estatística algum dado importante, que não foi considerado…
— Está falando como o meu pai, senhor Norberto, que é extremamente cético a respeito disso. Mas, considere que isto é apenas um levantamento simples e de muito pouca amplitude, pois coletei dados só deste distrito e não me detive a analisar caso por caso para verificar se outros fatores, além da Lua cheia, contribuíram para o evento.
Não obstante, mesmo sendo simples aquele levantamento, os números convidavam para uma reflexão e infundiam a dúvida em nossa mente. Mas, eu ainda continuava teimosamente cético…
Beto procurava transmitir aos amigos na mesa, as impressões que tivera com aquele diálogo com Felipe.
— Muito bem, Beto, pelo que estamos ouvindo, acho que você agora também começou a acreditar no lobisomem e na mula sem cabeça, nas noites de Lua cheia… brinca Jacinto, provocando o riso de todos.
— Ha ha ha Jacinto… não chego a tanto, mas ouça o que conversamos depois…
— Mas, Felipe, você acredita que esses eventos aqui descritos tiveram mesmo algo a ver com a fase da Lua cheia?
— Estou propenso, sim, a acreditar que há alguma relação, mesmo que mínima, pois como explicar esses picos?… não acredito que seja simples coincidência. Confesso que quando examinei esses dados, fiquei tão surpreso quanto o senhor está agora e então, fui pesquisar se havia alguma coisa publicada, algum estudo científico, ou qualquer teoria que fosse, sobre isso…
— E encontrou algo consistente, de natureza científica?
— Sobre a influência sobre o cérebro humano, não, só conjecturas, pressuposições, nada concreto. Todavia, existem sim, muitos estudos científicos comprovando a sua influência em quase todas as formas de vida do planeta e também nos movimentos da crosta terrestre e nos mares.
— Sim, Felipe, isso está definitivamente comprovado. As marés não existiriam sem ela…
— Pense numa coisa, senhor, sabemos que o ciclo lunar movimenta milhões de toneladas de água dos mares, elevando o nível deles a vários metros de altura, em sua direção, mesmo estando a quatrocentos mil quilômetros de distância. Se o sistema circulatório dos seres humanos movimenta cerca de sete litros de sangue por todo o corpo, será que esse sistema não estaria também sendo afetado por essa força de atração, provocando reações (como marés) em nosso organismo?….
Beto tentava transmitir minuciosamente aos amigos aquele diálogo que tivera com Felipe, que o fez raciocinar sobre o assunto e até mudou o seu conceito sobre alguns pressupostos que tinha estabelecidos em sua mente.
— Vou acrescentar alguns dados nessa discussão … .diz Japa.
— Os ciclos lunares afetam indiscutivelmente o crescimento das plantas, o resultado de colheitas e também impactam o comportamento dos animais, isso é um fato já comprovado pela ciência. Já se sabe que determinada fase da Lua aumenta a atividade dos animais, outra que retarda o crescimento de plantas, etc… não é exagero afirmarmos que nossa agricultura vem utilizando há milênios, uma espécie de calendário lunar, que determina o tempo para plantar, para cultivar e para as colheitas…
— E lembro agora de uma coisa que ouço desde criança, dito pelos mais antigos…a Lua tem influência sobre a fertilidade, sobre a gestação e também sobre o parto das mulheres… acrescenta Carlão.
— Caramba, pessoal, estamos fazendo um verdadeiro tratado sobre a natureza da Lua, mas e o “lobisomem” e a “mula sem cabeça”?…
Jacinto brincava, alegrando o clima na mesa.
— Ah, Jacinto, já que estamos filosofando… e se, uma raríssima combinação de genes contidos no DNA de ancestrais fossem predispostos ou programados para reagirem a um determinado “gatilho” de algum fator externo, como por exemplo, a Lua cheia, e reagisse promovendo uma alteração no metabolismo e também no corpo do seu possuidor, transformando-o num monstro, como o lobisomem?… pergunta Japa.
— Minha nossa!… nem precisa dizer que você é mesmo um entusiasta de ficção científica, hein, Japa?… diz Henrique.
— Ora, pessoal, estamos só filosofando no reino das suposições e eu só acrescentei mais uma… responde.
— Brincadeiras à parte, a verdade é que podemos ficar aqui conjecturando sobre a influência da Lua durante a noite toda, e no final, ninguém poderá afirmar ou negar com certeza absoluta que ela não exerce algum tipo de influência na mente humana… arremata Carlão.
— Acredito que essa é a única dúvida mesmo, Carlão, porque sobre a influência dela sobre todo o resto que existe em nosso planeta é indiscutível, não acham?… pergunta Alemão.
— Também concordo com isso, Alemão, basta só imaginar o que aconteceria com a nossa Terra se um dia ela perdesse a companhia da Lua… diz Japa, e Henrique completa…
— Ela voltaria ao caos do início, Japa, sem a força gravitacional da Lua não existiriam as marés oceânicas e dá para imaginar o que aconteceria com os contornos litorâneos e, com os mares praticamente parados, não haveriam as correntes marítimas que varrem e limpam os oceanos e isso seria a morte dos ecossistemas marinhos. E como ela também é responsável por estabilizar a inclinação do eixo terrestre que é o que mantém o clima favorável à vida no planeta, sem ela a Terra voltaria a girar a esmo provocando mudanças climáticas catastróficas e o fim da vida por aqui.
— Que tragédia, Henrique!… Imaginem se aquele astro não tivesse colidido com a Terra e formado a Lua…talvez não estivéssemos aqui agora…diz Beto.
— Mas não se esqueçam, meus amigos, do que a ciência afirma. Desde o impacto, ela está se distanciando cada vez mais da Terra, na razão de mais de três centímetros por ano, então, em alguns milhões de anos…
— Ah, Henrique, aí a Humanidade já emigrou para outro planeta e de preferência algum que possua mais de uma lua, só para garantir…graceja Jacinto.
“Há mais coisas entre o céu e a terra do que a nossa vã filosofia pode imaginar”… Alemão recita esse dito que todos conhecem… e Carlão completa…
— E tem um outro: – “Jo non creo en brujas, mas que las hay, las hay” e ergue sua caneca de chopp, olhando para o relógio…
— E agora, amigos, acabamos de ultrapassar a meia-noite e passamos ilesos pela sexta-feira treze, por isso vamos brindar a ela e também à Lua, que está brilhando lá fora…
FIM