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FICÇÃO OU REALIDADE?

Estamos num futuro distante quase que plenamente dominado pela IA, que oferece à sociedade todas as facilidades possíveis e imagináveis, desde algoritmos controladores de todas as atividades domésticas até os que controlam sua vida social e financeira.

Nas últimas dezenas de anos, o ser humano vem sofrendo uma verdadeira mutação. Não tanto no sentido físico, mas no cultural, moral e ético.

As inúmeras  inversões de valores que  foram acontecendo, também foram causando mudanças sutis, todavia, consistentes, provocando alterações no comportamento das pessoas, nos meios e na produção cultural,  nas relações de trabalho, nas interações sociais e também nas suas relações amorosas…

Desde os primórdios da história do homem, os dois gêneros criados originalmente pela natureza, vêm sofrendo alterações e adaptações, a princípio lentas, mas que nas eras modernas passaram a ocorrer mais celeremente,  até culminar na acomodação que temos agora neste século XXIII, onde a prática sexual entre casais está cada vez mais difícil, pela dificuldade de se encontrar parceiros compatíveis.

Encontrá-los tornou-se agora, em nosso mundo atual, um legítimo jogo de xadrez, pois entre os dois gêneros originais, interpuseram-se inumeráveis outros, cada qual com sua moral, cultura e ética próprias.

O gênero masculino vem sofrendo nas eras modernas um autêntico processo de emasculação, ao contrário do gênero feminino que, nos espaços deixados pelo homem, passou a desempenhá-los com toda eficiência.  Esse fator, particularmente, transmudou  integralmente  a instituição do casamento e  da união de parceiros humanos, desiludidos com seus consortes.

Todavia, como estamos em pleno século XXIII, a Inteligência Artificial também infiltrou-se nesse campo e, para gáudio da maioria, oferece androides inteligentes de última geração, que podem ser encomendados segundo as especificações de qualquer dos sexos existentes que satisfaçam as suas fantasias e os seus desejos.

Tal prática desencadeou uma febre que viralizou na sociedade, virando moda, com os humanos preferindo os androides em detrimento das relações humanas. Passa a ser bem aceita e a atividade cristaliza-se.

Contudo, o estágio de prazer e felicidade alcançados obliteram  realidades mais sombrias, ainda despercebidas pelos humanos. A taxa de natalidade começa a reduzir-se imperceptivelmente, mas num nível muito maior do aquele observado nos piores anos da depressão econômica do passado. 

E, obviamente, com uma expectativa de vida bem menor do que a dos androides, a espécie humana começa a reduzir-se em grande escala, deixando seus respectivos parceiros desacompanhados. 

Seria uma consequência fortuita, ou por trás estaria um intrincado e invisível planejamento da IA para extinguir lentamente a espécie humana? 

Os olhos fixos e os ouvidos atentos naquela mesa, contrastavam com os sons e o  ambiente festivo do boteco. Aquela narrativa de Japa despertou toda a atenção dos seus amigos, que até tinham deixado de lado as suas canecas de chopp.

— Calma aí, pessoal, isto aqui é apenas uma sinopse de uma história que pretendo escrever…

— Puxa, Japa, nessa história você está praticamente decretando o fim da nossa raça!… é isso mesmo o que quer transmitir?

— Não é bem isso, Henrique, é que esse é um tema que sempre me apaixonou e procuro  me atualizar sobre ele. A IA está avançando a passos largos e a maioria das pessoas não está notando isso, só vão adotando automaticamente sem contestação tudo o que ela vai oferecendo para facilitar as suas vidas…

— Mas tudo isso é o resultado de pesquisas científicas, visando melhorar o desempenho das coisas e consequentemente a performance das pessoas que as usam… vejam vocês o desenvolvimento vertiginoso dos telefones celulares nos últimos anos, os  supercomputadores… casas inteligentes… monitoramento inteligente de pessoas, veículos, objetos… até veículos automatizados, sem necessidade de condutores…

Carlão não deixa de dar o seu pitaco:

— E não se esqueçam de que há um país asiático onde o uso de bonecas infláveis está amplamente disseminado na população e elas já chegam a ameaçar o mercado milenar das prostitutas. Já pensaram se conseguem implantar um algoritmo nessas bonecas?, aí vai virar moda…

— E tem boneco também?

— Sim, li no artigo que existe um boneco inflável de todos os tamanhos e inclusive, algumas mulheres os vestem e andam com eles nos seus carros, imitando um acompanhante. Afirmam ser por segurança…

— É verdade, já li sobre esse assunto numa revista, mas o nosso Carlão aqui exagera um pouco… pondera Japa. Todavia, meus amigos, só por esses exemplos que falamos não fica muito difícil fazer ilações e projeções sobre o que poderá ocorrer nas gerações futuras. Foi o que fiz, imaginando uma hipótese bem possível, mas claro, tudo no campo da “ficção científica” apenas…

A maioria na mesa concorda e o Alemão, um conservador congênito, toma a palavra.

— O que você citou, japa, sobre as mudanças do Homem e da Mulher, concordo plenamente e não acho que isso vai ocorrer lá naquele futuro distante, não… minha opinião é que essas mudanças já estão ocorrendo agora, no nosso mundo contemporâneo. Observem o comportamento da mídia, das rádios e das TVs, principalmente, dominadas por autores tendenciosos que só querem propagar comportamentos promíscuos e viciosos. Nem vou falar das músicas atuais então. Letras sem nexo, sem poesia, sempre com o mesmo tema, traição e adultério, falsidades e hipocrisias, geralmente transformando o homem num chifrudo, choramingando atrás da mulher que lhe deu um pé no traseiro… isso tudo faz parte de uma cultura que vai se consolidando e transformando nossos costumes, nossa moral, nossa ética… o que esperar dessa nova geração que vem aí…

— Nossa, Alemão, você é muito radical em alguns pontos, diz Beto… nós temos que respeitar a diversidade dos seres humanos, com todos os seus defeitos e imperfeições…

— Sei disso, Beto, respeito essas diferenças, mas acho que estão incluindo nesse pacote algumas coisas que em nada contribuem para a preservação dos valores humanos…

— Mas no final, a sociedade acaba achando o ponto de equilíbrio nas relações humanas, pois o que é realmente importante é a convivência com nossos semelhantes, com todas as suas imperfeições e desafios e isso é o que dá realmente sentido à vida… 

Com essa frase, Jacinto tenta colocar um final na polêmica entre os dois amigos… e pergunta.

— Mas, voltando ao tema de sua história, japa, como será o final?… a Humanidade vai ser reduzida à minoria e dominada pelos androides?…

— Essa história, meus amigos, se passa num cenário hipotético do futuro, onde a IA, amplamente utilizada pela sociedade,  está causando impactos significativos nas relações humanas e na cultura. A tendência crescente do uso dos androides inteligentes para as relações amorosas começa a trazer consequências negativas, como vimos, e isso é percebido pelos cientistas que começam a questionar se o alto preço a ser pago por essa busca pela perfeição e pelo prazer imediato valeria a pena. A vida com androides é realmente melhor do que a vida com outros seres humanos, com todos os seus defeitos e imperfeições?… a humanidade, inevitavelmente, terá que responder a essa pergunta e decidir.

— Boa pergunta , japa. E acho que muita gente não abrirá mão do seu prazer e preferirá morrer abraçada aos seus androides… 

— Pode ser, Carlão, mas eu acho que muito do que poderá ocorrer naquele futuro distante, pode estar começando agora, neste nosso tempo…

— Tem razão, Jacinto. Vou dar um exemplo: imaginem se aquela moda das bonecas infláveis comece a se propagar  pelo mundo inteiro. Acredito que isso seria um sinal para a indústria robótica começar a produzir modelos cada vez mais avançados, até culminar com aqueles androides inteligentes…

— Verdade, Japa. Por mim não, pois sempre vou preferir os atritos, as zangas e as explosões da minha mulher do que uma possível explosão de uma boneca dessas na minha cara, bem naquele momento, já pensaram nisso?

Aquela brincadeira de Carlão provoca o riso de todos e uma série de gozações,  chacotas e piadas…”e se ela murchar na hora?”…”e se por maldade alguém colocar cola nos orifícios?”, como ir num pronto-socorro com ela grudada?…”já pensaram num moedor de carne?”…

— Ah, Ah, Ah, chega pessoal… mas uma coisa é certa, Japa, a sua história nos faz meditar sobre a enorme variedade e complexidade dos seres humanos e seus costumes. Só espero que nossos descendentes construam um futuro promissor e encarem a IA apenas como uma ferramenta para conseguir seus objetivos.

— Isso mesmo, Henrique…  agora, sinto que todos aqui estamos sentindo saudade de nossas mulheres e então, proponho um brinde…

— Abaixo as bonecas infláveis e viva a todas as broncas,  reprimendas e repreensões de nossas queridas mulheres!

FIM

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