— E é isso, Fernando, desejo realizar aqui, no lugar onde tudo começou, essa surpresa para minha noiva, mas não quero uma festinha comum.
Norberto e Fernando foram colegas de faculdade e se tornaram amigos desde então. Fernando tinha por habito convidar aqueles mais próximos para visitarem o boteco. Norberto foi um deles e se tornou assíduo frequentador, mesmo agora, depois de formados.
Foi há pouco mais de dois anos, durante uma comemoração de aniversário que Norberto viu pela primeira vez Berenice por quem se encantou. Assim que a avistou, foi procurar Fernando.
— Puxa, Fernando, quem é aquela moça linda ali, naquela festa?
— É Berenice, uma grande amiga de minha irmã da faculdade. Está comemorando seu aniversário com alguns amigos da escola.
— E ela vem sempre aqui?
— Não muito, mas sempre aparece. Estou vendo que se apaixonou, hein, Norberto?
— Ah, ah, não posso negar que me impressionei sim e vou fazer de tudo para conhecê-la.
— Acredito que seja uma boa pessoa, Norberto, porque sei que a Genô é muito seletiva com suas amizades.
Algum tempo depois, seus caminhos cruzaram-se no boteco. Berenice conversava com Genoveva e Norberto logo arruma uma desculpa para aproximar-se. Cumprimenta efusivamente Genoveva, querendo mostrar a Berenice que era amigo próximo.
— Olá Genô, desculpe interrompê-las, mas onde está o Fernando?
— Olá, boa noite, Norberto, o Fernando só deve passar por aqui bem tarde, hoje é seu dia de folga e foi encontrar a namorada…
— Ah, foi ver a Lucília
— Isso mesmo, você a conhece?
— Sim, ela era da nossa turma na faculdade e formou-se junto com a gente.
— Está precisando de algo, Norberto, se eu puder ajudar…
— Nada importante, depois eu converso com ele…
Norberto e Berenice trocavam olhares interessados e Genoveva resolve apresentá-los.
— Esta é minha amiga Berenice, Norberto…
Era o momento tão aguardado por ele. Seu coração dava pulos. Estende a mão, procurando exibir um ar de tranquilidade.
— Muito prazer, Berenice. Tenho a impressão que já a vi por aqui…
— Pode ser, sempre que posso, venho aqui com minhas amigas.
— Sim, agora me lembro, era uma festinha…
— Deve ter sido meu aniversário, que comemorei aqui com elas…
Perspicaz, Genoveva pressente o interesse mútuo dos dois e resolve colaborar na aproximação.
— Agora que somos todos conhecidos, espero que nos tornemos amigos, então…
— Combinado, Genô, e da próxima vez que nos encontrarmos aqui, quem sabe não poderemos juntar nossas mesas?…procurando dar o sorriso mais sedutor para Berenice, Norberto estende a mão…
Ele sentia que o seu interesse por aquela moça era verdadeiro. Mas não queria forçar nada, cair no lugar comum e procurar uma aproximação imediata, embora fosse isso o que mais desejava naquele momento. Temia mostrar-se ansioso, apressado, o que poderia mostrar a ela uma faceta que não era do seu caráter. Deixaria os acontecimentos fluirem e aguardaria o momento certo para uma aproximação correta.
Paixão instantânea, atração sexual, questão de química, feromônios, amor à primeira vista, seja qual for a interpretação que se procura dar, a verdade é que essa sensação existe mesmo e a maioria de nós a experimentamos, pelo menos uma vez na vida. E, muitas vezes, essa primeira paixão se transforma em um sentimento mais duradouro, num amor verdadeiro, como aconteceu com Norberto e Berenice, que consolidaram o namoro, que já dura dois anos.
Começaram juntando não só suas mesas, mas também os seus amigos, nos seus encontros no boteco. Amigos também, Genoveva e Fernando acabaram por se integrar ao grupo sempre que se reuniam, do mesmo modo como seu pai Jacinto, com seus inseparáveis companheiros.
***
— Mas, o que está pensando em fazer, Norberto?
— Sei lá Fernando, gostaria de organizar uma festa surpresa no próximo encontro da nossa turma aqui no boteco. Fazem dois anos que a Berenice e eu estamos namorando e eu sinto que ela é a mulher da minha vida e gostaria de surpreendê-la aqui, onde tudo começou, fazendo o meu pedido de casamento, já comprei até as alianças…
— Puxa, então é sério mesmo, hein, meu amigo…até a mim, pegou de surpresa.
— Sim, é sério mesmo e sei que esse sentimento é recíproco. Neste tempo em que estamos juntos, pudemos compartilhar nossos projetos e sonhos e sentimos muita compatibilidade neles, por isso quero oficializar nosso compromisso, queremos partilhar nossa vida juntos…
— Muito bem, meu amigo, então poderemos organizar uma bela recepção com todos os nossos amigos aqui no boteco.
— É isso mesmo que estou pensando, Fernando, mas queria alguma coisa muito especial, bem diferente dos nossos encontros anteriores, algo que a surpreendesse bastante mesmo…
— Bom, Norberto, em matéria de surpresas, meu pai, Jacinto, é o mais graduado entre nós, por certo você já deve ter presenciado algumas façanhas dele com sua turma de amigos, não? Podemos pedir-lhe algumas sugestões para as surpresas que deseja fazer, o que acha?
— Nossa! eles são mesmo incríveis. Nunca vou me esquecer daquela vez em que espantaram aqueles Hermanos argentinos que estavam assediando a moça dos acarajés, lembra?… a performance daquele jagunço foi demais, nunca ri tanto na minha vida…
— São mesmo incomparáveis, Norberto, amigos há anos e a interação entre eles é total, admiro muito esse sentimento que os une.
— E então, quer que fale com meu pai?… tenho certeza que terá boas ideias para organizar essa festa que está pensando…
— Se não for pedir muito, meu amigo, claro que gostaria.
— Bom, meu caro, se ele topar organizar tudo, já vou te prevenindo, vocês dois não saberão nem participarão de nada até o dia da festa. Como ele sempre faz, planeja tudo com seus amigos e trabalha para que o evento seja uma surpresa para todos os presentes.
— Vou torcer para que ele aceite fazer isso para nós, Fernando.
— Combinado então, vou falar com ele e, se aceitar, finalizo algumas coisas com você depois.
******
Jacinto ouvia a história com atenção…
— Ele é um grande amigo, pai, e quer comemorar conosco esse dia tão significativo para ele…
— Tudo bem, Fernando, podemos organizar uma festa, mas você tem que lembrá-lo de que aqui não é nenhum “bufê” e não poderá esperar aquelas frescuras todas de docinhos, bolos, bolinhos e comidinhas elaboradas demais…
— Pai, ele sabe disso e é por isso mesmo que está optando por fazer aqui no boteco. Eu sei que ele adora este ambiente e também já me falou que a Berenice também sente o mesmo. Aqui eles têm os seus amigos, que também se tornaram os meus, foi aqui que se conheceram e começaram o namoro, há dois anos. Por isso, acho que tem tudo a haver, ele desejar comemorar aqui…
— Tudo bem, meu filho, poderemos organizar uma boa festa para eles, mas já vai avisando que será uma festa de boteco, a caráter, sem nenhuma frescura. Você e a Genô podem se encarregar de toda a logistica da festa e eu vou começar a pensar na “surpresa” que poderemos dar a eles. Quanto tempo temos?
— Dez dias, pai. O que está pensando em fazer?
— Ah, como você e a Genô também participarão da festa, não vou adiantar nada, deverá ser uma surpresa para vocês dois também…
****
Genoveva reservou uma parte nobre do salão para o evento. A disposição das mesas, a mesa central, decorada meticulosamente e a profusão de flores, combinada com o jogo de luzes e o som ambiente tornavam aquele espaço aconchegante e bastante romântico. Combinara com a chef Amália, um menu adequado para a festa. Trabalhara com afinco, queria que fosse um evento inesquecível para sua grande amiga Berenice.
Jacinto ficou silencioso sobre o assunto, durante todo o tempo anterior à festa. Fernando o viu reunir-se com seus amigos e sabia com certeza, que deveriam ter conversado alguma coisa sobre o pedido de casamento.
Finalmente chega o grande dia tão esperado por Norberto. Desta vez, havia combinado com Berenice que levassem também os pais ao boteco, pois seria apenas para comemorar os dois anos de namoro.
A noite chegou esplêndida, típica da primavera, com uma temperatura agradável, céu estrelado.
O pátio, todo iluminado, onde Jesus corria por todos os cantos, acomodando os veículos dos fregueses e os dos convidados num reservado à parte, transmitia, logo na chegada, aquela sensação de euforia e contentamento que antecedem as festas.
Na área reservada, Norberto e Berenice recepcionavam os amigos e parentes procurando acomodá-los da melhor forma. Os pais de Berenice e os de Norberto ladeavam o casal na mesa central.
— Nunca me cansarei de te agradecer por isto, Genô. Está tudo lindo, o espaço, as flores, a decoração dessas mesas, as luzes…está demais, estou num daqueles dias mais felizes da minha vida, adoro você, Genô…
— Fico feliz que tenha gostado, Berenice, agora a festa é sua, quando quiser, me avise para começar a servir… falta algum convidado?
— Creio que chegaram todos, Genô, vou falar com o Norberto, mas já é hora de começarmos sim, pode dar a ordem.
A festa segue animada, com a euforia e a animação com as brincadeiras tradicionais dos amigos, em meio às delícias preparadas pela chef. Norberto tinha combinado com Fernando que daria um sinal quando estivesse pronto.
Era a dica para levar as alianças.
O que ele não desconfiava é que as alianças já não estavam nas mãos de Fernando.
Jacinto as havia solicitado dias antes, dizendo que elas faziam parte da surpresa…
Em meio a festa, Norberto, no centro da mesa, levanta-se e dando um sutil aceno para Fernando, gesticula com as mãos, pedindo a todos um momento de atenção.
— Vocês não sabem, meus amigos, a alegria que nos dão com suas presenças aqui hoje, uma data muito especial para nós dois. Agradeço muito também, a presença do senhor Raul e dona Adelaide, pais de Berenice e dos meus queridos pai e mãe. Esta data é muito significativa para nós, pois foi exatamente neste boteco, há dois anos, que conheci aquela que passou a ser a mulher mais importante para mim, a mulher com quero dividir a minha vida para sempre…
Nesta altura, Fernando sinaliza para o pai, postado no extremo oposto do salão, próximo à entrada principal.
Poucos no boteco sabiam o que Jacinto planejara como surpresa para o pedido de casamento. Apenas a chef Amália, quando soube que ele precisava de uma moça para um determinado papel, sugeriu sua filha Norma, que tinha a idade aproximada da noiva.
— Seu Jacinto, minha filha Norma está fazendo artes cênicas, é a pessoa talhada para isso, garanto que não se arrependerá. Depois, ela tem acesso a todo tipo de apetrechos para caracterizações, maquiagens, etc. Quando ele a entrevistou, de imediato a aprovou e agora ela, com o grupo dos seus amigos estava ali fora, na porta de entrada, aguardando a ordem de Jacinto para desempenharem o seu papel.
Enquanto isso, Norberto, empolgado com seu discurso, não cansava de tecer elogios aos presentes, somente aguardando a entrega das alianças para concluir seu pedido.
Repentinamente, o som das palavras de Norberto e o burburinho da festa é suplantado por um alarido, gritos, arrastar de cadeiras, vindo da entrada principal, fazendo com que todos se levantem para verificar.
Um séquito bizarro formado por três pessoas forçava passagem, tentando dirigir-se ao reservado da festa. Várias pessoas tentavam bloquear o avanço deles, porém sem êxito, porque à frente, vinha um elemento assustador, de pelo menos um metro e noventa, cujos músculos pareciam explodir a camisa que vestia, semelhante ao incrível Hulk. Como um trator, ele seguia empurrando tudo que via pela frente, cadeiras, mesas ou pessoas. Atrás dele seguiam uma moça e um velho.
— É um área reservada, não podem invadir esse local…
— Vamos entrar lá, sim, e nada nos impedirá…
— Mas pelo menos digam o que desejam, e expliquem o porquê dessa brutalidade toda…
Fernando reconhece dentre aqueles que tentavam segurar o brutamontes, vários dos amigos de seu pai e deduz que aquilo, provavelmente fazia parte da tal surpresa que preparou. Mas o que poderia ser tudo aquilo, até ele se assustara…
Apesar dos “esforços” daqueles que tentavam impedir o avanço daquela figura, ele, por fim, consegue chegar bem à frente da mesa principal, sob os olhares atônitos dos presentes, que, silenciosos observavam a cena.
— Pronto Norminha, fiz o que pediu… é esse aí o tal safado que me falou?
— Obrigado, meu irmão, é ele sim, o pai do meu filho e aponta para a enorme barriga, que demonstrava uma gravidez de quase nove meses.
E olhando fixamente para Norberto…
— Muito bonito, hein, “seu” Norberto… cadê aquelas promessas bonitas de casamento que me fez, aquelas palavras melífluas que falava tocando na minha barriguinha… enganou até o meu pai, coitado… e aponta para o velho atrás dela.
Norberto, lívido, gaguejava tentando falar alguma coisa, sob o olhar inquiridor de Berenice.
— Maas, mas… deve ser algum engano…
— Engano fui eu que cometi “seu” Norberto, quando me deixei seduzir por suas promessas…
O irmão musculoso faz o seu papel.
— É isso aí, maninha, se quiser que eu dê uma lição nele eu pulo essa mesa aí já!… o biceps dele deveria equivaler à coxa de Norberto.
Berenice começou a chorar, acompanhada pelos seus pais e os de Norberto, enquanto começava a aumentar novamente o burburinho entre os convidados…
Foi quando Jacinto interferiu e pediu a palavra…
— Senhoras e senhores, um minuto de atenção, por favor.
Todos os olhares convergem para ele.
— Há pouco mais de dez dias, esse moço aqui, o Norberto, amigo intimo de meu filho Fernando, veio nos informar que desejava comemorar um evento muito importante para ele aqui no boteco. Mas ele não queria algo comum, normal, uma simples comemoração. Queria um evento que marcasse para sempre na lembrança de todos, principalmente para sua namorada Berenice. Deixaram para mim a tarefa de planejar e executar essa surpresa.
Então, meus amigos aqui, e eu… nessa altura, o grandalhão começa a tirar vários enchimentos do corpo, que faziam o papel de músculos, a moça começa a retirar a barriga postiça, o velho retira uma cabeleira com calvície, desnudando a farsa toda.
De dentro da barriga postiça, Norma retira um lindo estojo aveludado vermelho e o entrega a Norberto, boquiaberto.
— Agora, senhoras e senhores, depois de nossa surpresa, segue a festa, agora, com outra surpresa… a de Norberto.
O grupo dos amigos de Jacinto se retira, sob o aplauso dos presentes.
Norberto, trêmulo ainda pelo susto e pela emoção, abraça Berenice e abre o estojo, mostrando um brilhante par de alianças…
O “sim” de Berenice veio acompanhado de um longo beijo…
FIM
Se você tem alguma história inusitada que aconteceu em algum Boteco, escreve para nós. Quem sabe ela vira mais uma história do Boteco do Jacinto…