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A investigação

A Investigação

 

Aquela foi uma semana muito esperada pela turma toda, especialmente por Jacinto, ainda inconformado com a trágica morte do seu cliente. Esperavam ansiosamente as notícias que seriam trazidas pelo Beto que acompanhava as investigações de perto.

A primeira pergunta de todos ao chegarem era sempre:- “alguma notícia sobre as investigações?”

— Nada ainda, não tenho notícias do Beto desde a semana passada. Por certo, hoje, ele deverá trazer algumas novidades, pois já nos disse que colaboraria com o pessoal da delegacia aqui do bairro, encarregada das investigações… respondia Jacinto.

As conversas, invariavelmente, versavam na mesa sobre aquele delito brutal e todos já tinham selecionado o seu suspeito favorito e defendiam o escolhido com entusiasmo.

Apenas Beto ainda não havia chegado.

Aproveitando aquele clima de revolta, o Japa começou uma arenga que fez com que todos parassem suas discussões, esquecessem aquele assunto tormentoso e passassem a ouvi-lo… com significativas demonstrações, ora, de concordância, ora de inquietação, ora de apreensão, ora sinais pedindo uma interrupção para uma opinião, mas Japa se empolgara e, arrebatado pelo tema, sinalizava que só opinassem depois que terminasse e, inflamado, continuava enfático…

— E esse país se orgulha de se autodenominar uma “democracia exemplar”. Porém, as aparências enganam. Desde os tempos em que fora uma colonia de uma nação europeia, uma corrupção endêmica permeou sempre todas as esferas do governo.

— Os cidadãos comuns vivem uma realidade dura e desigual, enquanto aqueles que detêm o poder se cercam de regalias e benesses inimagináveis e totalmente inacessíveis à grande maioria do seu povo.

— E aquele que deveria ser o último bastião da lei e o defensor supremo das garantias constitucionais, com membros que deveriam ser nomeados por sua integridade e competência, são colocados lá pelos seus amigos influentes que detêm o poder, fechando um ciclo perverso, onde se tornam protetores uns dos outros. 

— Tudo foi se transformando numa espécie de clube privado, onde seus membros se pavoneiam desfrutando privilégios que eles próprios foram criando ao longo dos anos.

— São tantas as vantagens, as prerrogativas, os benefícios, os incentivos, direitos e garantias que demonstram definitivamente que estão vivendo num outro planeta, num mundo à parte do restante da população. Criaram uma espécie de “casta” de apaniguados que se defendem e se julgam deuses.

— Seus protegidos ou beneficiados, mesmo se notórios criminosos, encontram asilo na justiça ou nos tribunais, e são capazes de transformar réus em inocentes e representantes da lei em bandidos.

— O Parlamento não apresenta uma situação diferente. O cenário legislativo é dominado por facções preocupadas apenas em criar ou alterar leis que os blindem de seus delitos. Legislam em causa própria, perpetuando um ciclo vicioso de impunidade e corrupção. Ali, a vontade do povo é sempre deixada de lado, em favor dos privilégios dos políticos.

— Esse País, ao longo de gerações, vem sendo governado por amadores, por cidadãos de segunda categoria, pois os de primeira se afastam, temerosos de associarem seus nomes e corromperem sua reputação. Se ele fosse uma grande empresa, seguramente, já o teriam levado à falência.

A empolgação de Japa arrefece um pouco e dá espaço para, finalmente, os amigos apartearem…

— Minha nossa!, Japa, isso tudo me cheira a sublevação, insurreição, tome cuidado com essa fala, pois poderá atrair atenção indesejada, meu amigo… diz Henrique…

— Concordo com tudo que diz, Japa, é isso mesmo o que sinto também e o pior é que aqueles que poderiam mudar esse cenário, são justamente os que se beneficiam desse “status quo”, portanto, sem mudanças à vista…

Visivelmente inspirado com o discurso de Japa, Alemão expressa seu apoio…

— Acho que deveria tomar mais cuidado com esse discurso, Japa. Embora muito do que diz é verdadeiro, pode provocar algumas reações contrárias…Jacinto demonstra sua preocupação.

Japa ouvia tudo em silêncio e no fim, dá uma sonora gargalhada, deixando seus amigos surpreendidos…

— Calma aí pessoal, não é nada disso que estão pensando, isso tudo que eu disse é o tema de mais uma história que escreverei sobre um País fictício…”Ybirámirim”, uma terra maravilhosa, onde tentarei demonstrar que os desmandos e a corrupção são capazes de desmantelar e levar tudo à decadência, à falência…

A descontração toma conta da mesa… todos levantam um brinde…

— Viva Ybirámirim, país maravilhoso, tão forte que resiste impávido, apesar de tudo…

— Salve Ybirámirim, que Deus o guarde…

Ninguém lembrava mais do assunto que monopolizou as conversas antes, até o momento em que Beto chegou sobraçando uma pasta preta.  

Aquela pasta com o logotipo do 33 DP,  foi o estopim para o recomeço da agitação…

— Não pude chegar mais cedo, pessoal. Acabei me envolvendo num serviço extra com essa investigação paralela, pois não posso deixar das minhas atividades normais lá no meu distrito.

Todos queriam perguntar ao mesmo tempo, e Jacinto tenta colocar ordem na mesa…

— Calma pessoal, sei que todos nós temos nossas perguntas, mas vamos deixar o Beto explicar primeiro o que as investigações apuraram até agora.

— Fale Beto…

Jacinto faz-lhe sinal para sentar à cabeceira da mesa. Beto acomoda-se e abre a pasta preta.

— Bem pessoal, o meu amigo Jardim tem me passado muito sobre o andamento das investigações. Sempre que posso, também vou até o seu distrito e colaboro no que posso.

— Estamos apenas há uma semana do fato, portanto, as linhas de investigações estão no começo e o Jardim é um moço competente e não está desprezando nenhuma hipótese…

— Mas, Beto, não têm nenhum suspeito ainda?…

Pergunta Henrique, com todos concordando.

— Há muitas hipóteses que estão sendo apuradas. O Jardim já colheu o depoimento da esposa dele, que voltou dos Estados Unidos. Ela declarou que o clima entre os dois não era bom nos últimos meses, por isso resolveram dar um tempo, quando ela decidiu ir ficar uma temporada em Nova York, onde têm um apartamento.

— Disse que o motivo da discórdia, foi motivado após ele decidir estender o horário de atendimento das consultas até às 20:00 h, e começou a chegar em casa não antes das 22:00 h, passaram a brigar e ultimamente mal se falavam.  Mas ele não abria mão disso e sempre dizia que aquilo fazia parte de um projeto que resultaria num novo livro e logo terminaria. 

— Quando não pude aguentar mais, escrevi-lhe uns bilhetes e parti para a América… disse ela.

“Acho que eram aqueles papeizinhos que ele manuseava, quando o vi ali no balcão naquele dia”… pensa Jacinto.

— Estão tentando restaurar a gravação do sistema de segurança do prédio daquele dia. O doutor era um dos últimos a deixar o consultório e nesse horário, geralmente o sistema não funcionava plenamente. Mas, um dos seguranças lembra de ter visto um homem saindo e se dirigindo para a calçada, não deu importância, por isso não reparou muito.

— Se conseguirem as imagens da fita, talvez tenham condições de identificar esse personagem. E o principal, em que momento, ele saiu. Estabelecer esse horário seria importante para esclarecer se há correlação ou não com o crime.

— Estão apurando também as movimentações financeiras do doutor, próximas da data do ocorrido. Pode indicar algo.

— O seu motorista e sua assistente também são alvos de investigação e seus depoimentos estão sendo colhidos. Tudo será apurado, segundo o Jardim.

— Um dado importante foi a descrição do assassino dada pela assistente. Foi bem minuciosa e caso coincida com a imagem da portaria, se a conseguirem, seria um elemento valioso.

— Enfim, viram?… as investigações estão no começo e falta muito ainda para apurarem. Os próximos dias serão importantes, com os depoimentos que serão colhidos…

Alemão se manifesta.

— Acho que essa esposa dele deve ser melhor investigada…

— Eu já acho que a assistente tem mais coisa para dizer… acrescenta Jacinto.

— Bem, pessoal, por ora é só o que temos, vamos aguardar os próximos passos. Agora chegou o momento de nossa descontração…

— Então, vamos esquecer de crimes, investigações, etc. e vamos levantar outro brinde à Ybirámirim!…



FIM

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